segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Um líbelo contra a conivência com o crime e criminosos.

Em que pese o crescimento vertiginoso da criminalidade, alguns "iluminidados", seguidores do malfadado "garantismo" penal, insistem em excluir o livre arbítrio da conduta criminosa, e, seguindo a vetusta tese de Rousseau, atribuem a sociedade a existência do delito, uma vez que é a sociedade que corrompe o homem, bom por natureza. Assim se explica os vários casos de impunidade, de punições pifias que no mais das vezes podem ser consideradas "ausência de punição", pela desproporcionalidade entre a pena cominada e a gravidade do delito cometido. Recentemente, na Argentina, juristas de escol lançaram um líbelo contra esta corrente "ideológica" que permeia as universidades, escolas da magistratura etc. No Brasil, dois insignes desembargadores do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de SP, Ricardo Dip e Volney Corrêa Leite de Moraes Jr., denunciaram o caráter "ideológico" por trás do liberalismo penal, ou, melhor dizendo, garantismo penal, em obra conjunta, com o sujetivo título "Crime e Castigo, Reflexões politicamente incorretas", de onde selecionamos os trechos abaixo transcritos.
"a conivência sociologista, que se ocupa em superestimar as causas sociais do crime tem sido um modo sutil de culpar de forma vaga o sistema por todas as mazelas que nos afligem, de sorte que, com isso, fica tudo como está, ou melhor, vai tudo piorando a passos largos diante da passividade generalizada”
[...]

“Em matéria de política criminal, duas grandes vertentes são identificáveis, tendo como divisor de águas a questão do livre arbítrio:
a) (...)
b) autodesignada moderna, que supõe existente relação determinística entre as condições socioeconômicas do agente e a infração;
- seus adeptos acreditam que o crime é produto de injunções materiais, excluída, por conseguinte, a intervenção do livre-arbítrio;
- adotam a convicção, numa espécie de culpabilização coletiva, de que o crime é produto, não do livre-arbítrio do indivíduo, mas das injustiças sociais, pois o homem, no fundo, seria naturalmente bom.
- haveria algo assim como férreo, rígido fatalismo por sob a conduta criminosa, tal significando que a vontade do rapinante e do extorsionário, cujas condições materiais de existência não foram especialmente satisfatórias, seria absolutamente impotente diante do irresistível magnetismo exercido pelo proveito ilícito; eles não teriam liberdade de consciência".

“Na promiscuidade de um barraco, na angústia da fome, no desespero da orfandade, na escuridão do analfabetismo, na visão de um futuro sem redenção, semelhante ao passado brutal e idêntico ao presente asfixiante, seria uma idiotice ver condições adequadas ao pleno florescimento e ao
desembaraçado exercício do livre arbítrio".

“Mas é distorcido afirmá-lo impossível, vê-lo natimorto, quando se tem maciça evidência estatística de que, não o tendo perdido, a quase totalidade dos despossuídos resistiu à tentação de obliterar seus sentimentos de respeito ao próximo".

“É atitude de néscio asseverar que a vontade nada tem a ver com a situação concreta em que se plasma e com as situações concretas em que se exterioriza".

“Porém, afirmar a existência de liberdade de escolher entre isto e aquilo nem de longe é pretender que a soberania da vontade seja quimicamente pura e que a preponderância da vontade não esteja sujeita a turbulências gravitacionais. Não há tal coisa. Há, indiscutivelmente, condicionantes (da mais variada natureza) da liberdade volitiva".

“Mas se é certo que as condições limitam a vontade e conformam o seu exercício, é não menos verdadeiro que de nenhum modo substituem a própria vontade no conteúdo nuclear da ação. Elas, as condicionantes, têm o poder de dizer à vontade como ela pode se manifestar, mas não têm o poder de determinar o que ela deva ser".

[...]
“Equacionando o problema em termos simples: a miséria predispõe ao crime, mas não o engendra mecanicamente. O livre-arbítrio é o fator determinante. Para a grande maioria das pessoas, é o fator de sublimação (em linguagem psicanalítica) da predisposição negativa.
Para inexpressiva minoria, é o fator de rendição, de submissão, de sujeição às solicitações do meio socioeconômico.

“(...) Pois bem, o banimento, a proscrição do livre arbítrio da ordem de considerações fundamentais na concepção de política criminal tem como corolário substancial modificação na idéia de pena: ela se despe da finalidade reprovativa – na verdade, reprovar o quê, se a conduta transgressiva tem conteúdo fatalista? – e ela se despoja da finalidade preventiva, inibitória, dissuasória, intimidativa – na verdade, prevenir o quê, se o criminoso está destinando inescapavelmente ao crime, de sorte que lhe resulta quimicamente estéril, inócua, inconseqüente a condenação de terceiros?

“Um excêntrico personagem, de que até agora só se vira a ponta do nariz a sair dos bastidores, abandona a timidez e entre em cena: o niilismo penal.”

[...]

“O Direito de Punir tem um halo de transcendência, porque sua concretização traduz a reafirmação dos valores fundamentais em torno dos quais se organiza a convivência social.
Valores que o criminoso não apenas ignora, mas agride; não apenas despreza mas profana.
Na intersecção do Mal necessário (a legítima defesa do homem pacato) e do Bem atuante (a reação à ética do crime), o Direito de Punir, por óbvio, deve ser exercido nos limites da Lei e na justa medida, precisamente em atenção àqueles valores, entre os quais se destacam, para o efeito, os relativos à superação da vingança e à regra summum ius summa iniuria. Também por respeito a eles, o Direito de Punir não há de ser aplicado:
a) com regozijo, - obliterando os favores que a Lei consente -, porque isso é sadismo; b) com o acanhamento de quem pede desculpas por um gesto indecoroso, - prodigalizando mercês que a Lei não oferece e a gravidade do delito não comporta -, porque isso é abjeto.
Sim, abjeto.
Porque duvidar da justiça da condenação na conformidade das evidências e nos moldes da lei, e ainda assim punir, é burocrática covardia.
A condenar com vergonha é preferível absolver com desfaçatez.
Não punir quando era o caso, é caso de assombro, espanto e pasmo: sensação de que a Justiça, existente embora, não foi realizada no caso específico. Mas punir timidamente, quando era caso de estabelecer uma justa proporção entre crime e pena, é caso de escândalo, indignação e anátema: sensação de que a Justiça existe apenas como farsa”.


(Crime e Castigo, Reflexões politicamente incorretas, Millenium, 2ªedição, 2002, Pgs. 9, 19 e 20)

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