segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Os poetas assassinados

Por João Bigotte Chorão

A revolução francesa que transportava nos flancos a arbitrariedade e a injustiça, a libertinagem e a tirania, a violência e o sangue, condenou à morte o poeta André Chénier. A revolução russa, conduzida também sob o signo do ódio, só não levou ao cadafalso Maiakovsky porque o poeta, desiludido e desesperado, se deu à morte.
Nascida do terror da revolução francesa, a época contemporânea recorda a sua origem sanguinolenta na sistemática perseguição aos poetas que denunciam os mitos modernos.
Condenado à morte o jovem poeta como Chénier, Brasillach evoca na prisão com um frémito de ternura e orgulho aquele que o antecedeu no martírio.
Outros, se lhes foi poupada a vida, sofreram no entanto a perseguição e a calúnia. Basta lembrar os nomes de Ezra Pound e de Vintila Horia.
Declarado louco (pois é loucura denunciar neste tempo o materialismo capitalista e a impostura democrática), Pound conheceu o cativeiro e o insulto do manicómio.
“Era impossível viver nos Estados Unidos fora de um manicómio”, dirá lucidamente esse europeu nascido na América.
Fiel como Claudel e Eliot à Lição de Dante, Pound escreveu os Cantos, grande poema em que colaboraram céu e terra. Para entendê-lo na sua extensão e profundidade, é preciso saber várias línguas vivas e mortas, conhecer a Bíblia e a Comedia, estudar História e Economia, ter alguma notícia de poesia chinesa e de pintura italiana, ser destro em armas, esperto em letras, experiente da vida.
Vintila Horia, escritor romeno de expressão francesa (como Gheorghiu e Cioran), bebeu as lágrimas do exílio e o sangue das feridas. Intelectual das direitas — como a si mesmo se definiu — que guardou fidelidade à tradição latina e cristã da Romênia, adversário do regime que humilha o seu país, Vintila Horia foi vítima da coligação marxista e democrática. Distinguido em 1960 com o Prêmio Goncourt, o escritor romeno renunciou a ele depois de uma campanha caluniosa.
No martiriológio nacionalista, dois nomes concitam a nossa emoção e o nosso fervor: o de José António e o de Robert Brasillach. Ambos réus de um julgamento iníquo, ambos serenos na morte, ambos sacrificados na juventude pelos seus ideais.
Para o caudilho e para o escritor a política era uma forma de arte. Em José António, a política sublimava-se na poesia, em Brasillach a poesia comprometia-se na política. José António foi um poeta que se realizou na acção política, Brasillach um militante que se realizou na criação poética.
A clareza de pensamento, a transparência de estilo, o exemplo de juventude, o teor de vida, o entendimento da pátria, tais são alguns tópicos das personagens fraternas de José António e Brasillach.
Numa página admirável, falou José António de um paraíso difícil guardado por anjos com espadas de fogo. Um paraíso proibido aos invertebrados e prometido aos guerreiros. Um paraíso, como o islâmico, em que se descansa à sombra das espadas. Um paraíso onde não é difícil imaginar, vertical e luminoso, o poeta Brasillach.


segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A geração hobbit


"Tolkien nunca participou em política nem expressou convicções definidas; tão pouco ‘O Senhor dos Anéis’ pode ser reduzido às categorias políticas em uso: nem ao debate político dos anos 1940-1950, nem ao de 2001. Mesmo assim, não pode negar-se um fato evidente: nem Tolkien nem a sua obra escrita podem ser consideradas neutrais perante os episódios fundamentais do nosso tempo.
Gandalf está vivo e luta conosco’: não é um mote surrealista, mas um lema político do início dos anos 70, imediatamente após a primeira tradução italiana de "O Senhor dos Anéis". Já então, na Península Itálica, se compreendera a militância estrutural do mundo de Tolkien contra a evolução do mundo moderno e em defesa, em entre-linhas, de determinados princípios: sacrifício perante o hedonismo, família e comunidade contra o individualismo, fidelidade e integridade frente ao transformismo, tradição e respeito perante a mecanização, ecologia e lei natural perante a exploração da Terra.


Gandalf, como o seu criador Tolkien, não é de direita. Nem de esquerda. Representam simplesmente a denúncia dos males da sociedade de consumo. E uma alternativa ética, mesmo que não necessariamente política e ideológica. Em muitos e distantes países, uma minoria de jovens - sempre jovens, independentemente da sua idade e sempre rodeados por jovens cronológicos - adotou Tolkien como bandeira de protesto, ou apenas como símbolo de uma opção de descontentamento pessoal.(...) Falamos dos jovens de todas as idades que participaram nos já longínquos ‘Acampamentos Hobbit’, que ouviram a diferente música da ‘La Compagnia dell'Anello’, que utilizaram os nomes de ‘Eowyn’ ou de ‘Erebor’ para as suas iniciativas culturais. Uma juventude diferente, dissidente, minoritária e mais disposta a seguir um mito literário anti-moderno que a submeter-se às modas dominantes. Uma juventude quase marginal, mas viva e real, surpreendentemente consciente da sua identidade comunitária e difusamente disposta a uma luta quase espiritual num mundo pouco inteligível como o contemporâneo. Haverá uma ‘geração hobbit’? Nas atuais circunstâncias, os valores de JRR Tolkien não podem chegar a ser socialmente dominantes. A sociedade ocidental baseia a sua organização nos princípios mais opostos. Vivemos entre Morgul e Mordor. Mas continuará a haver dissidentes, que aspirem a viver em Hobbiton ou em Lórien; e, logicamente, a difusão cinematográfica do mito favorecerá que essa minoria cresça, porque haverá um maior segmento da população exposto à inegável beleza desse mito. Com este filme poderá haver mais hobbits, mais jovens de espírito em luta estética contra as injustiças do presente.
Aconteça o que acontecer, JRR Tolkien não passou pelo Mundo sem deixar uma firme recordação.»

Pascual Tamburri

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Liberdade sexual?


"Dentro de alguns anos, sem dúvida, passar-se-ão licenças de casamento como se passam licenças de cães, válidas para um período de doze meses, sem nenhum regulamento que proíba a troca de cão ou a posse de mais de um animal de cada vez. À medida que a liberdade econômica e a liberdade política diminui, a liberdade sexual tem tendência para aumentar, como compensação. (…) Juntamente com a liberdade de sonhar em pleno dia sob a influência de drogas, do cinema e da rádio, ela contribuirá para reconciliar os súbditos com a servidão que lhes estará destinada."
Aldous Huxley: in prefácio de "Admirável Mundo Novo" (1946)

http://infoinconformista.blogspot.com/

segunda-feira, 13 de julho de 2009

PROMISCUIDADE INSTITUCIONALIZADA

Fernando Rodrigues Batista
"O amor está tanto mais doente quanto nossa civilização se tornou mais afrodisíaca". Henri Bergson.

Acabo de ler o editorial de um jornal local – cujo nome não cito propositalmente – onde sob o título “Aids e infância”, apresenta dados oferecidos pelo Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e AIDS do Ministério da Saúde o qual divulgou que em torno de nove mil crianças e adolescentes convivem com a AIDS, no Brasil.
Ressalta o próprio editorial que “adquiriram a doença ainda no ventre materno ou por relação sexual precoce”, para depois dizer que há muito a se fazer em relação a políticas públicas, dirigidas a este público. E por fim exige: “O Estado precisa ser arrojado nas políticas públicas, a família se fazer presente, a escola fazer sua parte a igreja precisa absolver a camisinha”.
Pois bem! O interesse repentino pelo assunto ora em questão, pelo mencionado jornal, decorre das críticas feitas ao malfadado “Caderno das coisas importantes”, que faz parte do programa “saúde nas escolas”, projeto dos Ministérios da Saúde e da Educação do Governo Federal que conta com o apoio da Unicef e da Unesco, órgãos ligados à ONU. O “Caderno...” é destinado a estudantes entre 13 e 19 anos.
Segundo o Ministério da Saúde, o objetivo central do programa “saúde nas escolas” é a promoção da saúde sexual e da saúde reprodutiva, visando reduzir a vulnerabilidade de adolescentes e jovens às DST, à infecção pelo HIV, à AIDS e à gravidez não-planejada, por meio de ações nas escolas e nas unidades básicas de saúde.
Uma breve leitura do denominado “Caderno das Coisas Importantes”* levará o leitor a facilmente concluir que o mesmo se reduz a incitar em todo momento o adolescente à prática sexual, porém ressalvando que existem doenças sexualmente transmissíveis e gravidez “não planejada” dela decorrentes e a apresentar (ainda que em linguagem vulgar) um “elemento mágico”a camisinha - que vai “livrá-lo” destes “inconvenientes”, mesmo que para isso tenha que “omitir” que esta “informação” é fraudulenta.
O Ministério da Saúde e da Educação com a pretensa finalidade de combater uma enfermidade física, não repara (ou repara e este seria o pano de fundo por trás do programa?) na enfermidade espiritual e metafísica da permissividade.Negrito
O ato sexual, consoante o “Caderno das Coisas Importantes” é isso: gozo e satisfação. Este é o sexo como faculdade ginástica. Banaliza-se a sexualidade ao incitar sua prática precoce (não era essa uma das razões do alto índice de crianças e adolescentes com AIDS entre nós?), que a limita, a uma mera gestualidade física.
Este ato sexual tem apenas dois problemas, como mencionamos: a AIDS, que é mortal e a gravidez adolescente "não planejada", que é social, já que deixa como conseqüência, o aumento de famílias monoparentais, visto que o programa governamental não educa o adolescente no sentido de buscar uma relação duradoura e permanente, baseada no amor, mas sim uma relação fugaz e passageira (“ficada” como ensina o próprio “Caderno”), baseada no prazer individualista.
Assim, se o ato sexual é apresentado desvinculado da fecundidade (que é sua finalidade precípua, queiram ou não os hedonistas estatais), através de uma relação duradoura e permanente, e reduzido única e exclusivamente ao prazer momentâneo, através de relações relâmpagos, então, se dá a nivelação de todas as experiências sexuais.
O igualitarismo neste domínio faz com que todas - experiências sexuais - tenham o mesmo valor. As relações heterossexuais, homossexuais, bissexuais, auto-satisfações (masturbação), tornam-se equivalentes. Tudo está permitido em função do maior gozo.
Acerca da masturbação, o “Caderno...” ensina de forma pormenorizada como fazê-la e a qualifica como natural.
Nesse ponto cabe transcrever a penetrante análise feita por C. S Lewis sobre este hábito: “Para mim o verdadeiro mal da masturbação consiste em que toma um apetite – que legitimamente usado faz sair o individuo de si mesmo para completar (e corrigir) sua própria personalidade na de outra pessoa (e em ultimo término nos filhos e netos) – dirigindo-o em sentido contrário, para a prisão interior de si mesmo, para criar um harém de noivas imaginárias. Neste harém, uma vez aceito, resiste a abandoná-lo para sair e unir-se verdadeiramente com uma mulher real. Porque tal harém se encontra sempre a mão, sempre dócil, não exige sacrifícios nem renúncias e pode ser adornado com atrações eróticas e psicológicas com as que nenhuma mulher real pode competir”.
Corroborando a tese de Lewis, o filósofo francês Gustave Thibon salientava que já não sabemos ser fiéis porque não sabemos sacrificar-nos. E acrescentava o autodidata camponês:
"Tantos homens há que só amam pelo prazer imediato... CondenItálicoam-se, deste modo, a conhecer apenas a superfície do objeto amado, e, quando esta superfície os desilude, a trocá-lo por uma outra superfície, e assim por diante. Mas aquele que quer saborear a profundidade de uma criatura deve saber sacrificar-se por essa criatura; o seu amor deve superar as decepções, superar o hábito; mais ainda, deve alimentar-se dessas decepções e desse hábito. O amor humano tem a sua aridez e as suas noites; também ele não encontra o seu centro definitivo senão para além da prova sofrida e vencida. Mas, uma vez chegado a esse ponto, ele saboreará a riqueza, a pureza eterna da criatura pela qual se imolou. Porque, se a criatura é tremendamente limitada em superfície, é infinita em profundidade. É profunda até Deus".
O ato sexual não se esgota em si mesmo como sucede com “os outros gozos”: uma boa comida, uma peça de teatro ou um filme, a observação de um quadro ou uma escultura, ou ainda a audição de uma boa sinfonia.
A sexualidade plena exige a existência de um projeto. O sexo exige fecundidade, que por sua vez não se limita a fecundidade física, senão a um projeto em conjunto de construir um futuro (fecundidade existêncial). Aqui, o sexo abre o sentido da vida em comum (de forma duradoura e permanente).
O sexo ocasional, passageiro ou prostibular, termina no sabor amargo de encontrar-se em uma solidão maior após sua consecução.
Nesse sentido, o “Caderno das Coisas Importantes” constitui-se em um atentado contra o adolescente por privá-lo de descobrir esse mistério da sexualidade em sua integralidade e em seu devido tempo, incitando a prática precoce do ato sexual em sua forma mais baixa e promiscua: o puro prazer egoístico, o qual, diga-se de passagem, não “reduz a vulnerabilidade de adolescentes e jovens às DST, à infecção pelo HIV, à aids e à gravidez não-planejada”, como “pretende” o Governo, mas sim, ao revés, a acentua de forma considerável.
Alias, cabe salientar ainda, que programa análogo e com a mesma finalidade ao do Ministério da Saúde e da Educação foi rechaçado pelo senado da Índia. Curiosamente, o programa de educação sexual que se queria impor nas escolas indianas, teria por base materiais provenientes da UNICEF, um dos órgãos internacionais, juntamente com a Unesco, que apóia o programa brasileiro.
Para o Senado hindu, caso fosse aplicado o programa proposto, ele “corromperia a juventude indiana e levaria ao colapso o sistema educacional”, e ao contrário de sua “pretensa” finalidade, "só exacerbaria as gravidezes prematuras e incitaria a promiscuidade sexual", pois tal programa se reduz a incitação à "educação para usar preservativos" que produz uma
"sociedade imoral".
É o que vai acontecer em nossa pátria se não se proliferarem as ações no sentido de impedir que o “Caderno das coisas importantes” continue a ser distribuído nas escolas da rede pública de ensino. É o famoso remédio de efeito retardado.
Por fim, somos obrigado a concordar com o matutino local quando este afirma que um dos fatores que mais contrubuem para alto índice de crianças e adolescentes com AIDS é a prátca precoce do ato sexual.
Pois bem! Como está informção é oriunda do Ministério da Saúde e este, por sua vez, junto com o Ministério da Educação, é responsável pelo programa "saúde e prevenção nas escolas", do qual faz parte o "Caderno das Coisas Importantes", que está sendo introduzido nas escolas da rede pública de ensino concomitantemente a "máquinas de preservativos" (como pretende o programa), que serão distribuídos como "balas" para crianças e adolescentes, sou levado a concluir, por questão de lógica que: o Governo Federal, antes de contribuir para a erradicação, está ao revés, "de forma consciente", contribuindo para a proliferanção do vírus da AIDS entre crianças e adolescentes.
Para os propagandistas do hedonismo irresponsável, incluindo o responsável pelo medíocre editorial referido no inicio do artigo, deixo a profunda lição do já citado Gustave Thibon:
"A sexualidade? Esses adoradores desenfreados da carne são, quase sempre, incapazes não apenas de amar profunda e duradouramente, mas até de sentir uma paixão autêntica. A sexualidade — reduzida a seus componentes elementares (e por isso mesmo já desnaturada, pois o homem pode imitar tudo do animal, menos a inocência dos instintos) — não une mais, não vincula mais; é uma troca à flor da pele, um "bem de consumo" que não exige nenhum investimento. Ora, a vida sem preocupações foi sempre negócio dos pobres, não dos ricos.
O que prova o caráter artificial dessa exaltação do sexo é que ela coincide com o desaparecimento progressivo das diferenças sexuais.
Irei mais longe: esse frenesi do sexo, para muitos de nossos contemporâneos, não chega até os atos. É mais uma obsessão do espírito que uma necessidade do corpo: exerce-se (se assim posso expressar-me) por procuração: inúmeros indivíduos buscam no relato ou no espetáculo dos amores dos outros (quer se trate de personagens reais ou fictícios) uma concepção imaginária para a esterilidade de sua própria existência. Assim se explica o sucesso desmesurado do erotismo na literatura (aí se compreendendo as numerosas produções pseudo-científicas consagradas aos problemas sexuais) e em todos os outros meios de informação: cinema, televisão, publicidade, etc. Essa excitação cerebral não conhece limites porque não tem realidade. Tudo é possível, com efeito, no plano do sonho e da ficção. Tal como as proliferações cancerosas em torno do órgão que elas próprias devoram, o erotismo representa a degenerescência hipertrófica da sexualidade normal. Parodiando a frase célebre de Pascal, um jovem filósofo americano escreveu que, no mundo moderno, "a sexualidade tem sua circunferência em toda parte e o seu centro em nenhuma".

sexta-feira, 19 de junho de 2009

A hegemonia marxista

“Na trilha do marxismo caboclo (ou positivismo marxista), que tomou conta do ensino básico e das universidades, tudo passou a ser reinterpretado à luz da surrada dialética da luta de classes. Exemplo desse deserto de conhecimentos são os textos de História, que os nossos adolescentes e jovens vêm-se obrigados a engolir nos colégios e nos cursos superiores. É praticamente impossível encontrar manuais que não deformem a História do Brasil. Á sombra do cosmogônico confronto opressor-oprimido, fatos, processos, instituições e pessoas são arrumados, de forma a comprovar a validade da teoria escolástico-marxista. A realidade que se dane. Vale mais a versão ideológica do que a intrincada complexidade da vida. Como no seio da luta de classes não há lugar para a dimensão pessoal nem para a existencial, o herói, que por essência é a quebra arquetípica do anonimato da coletividade, não interessa. Atores, só a burguesia e o proletariado. A burguesia, tornada substancia na miraculosa reificação da crítica marxista, arrota, oprime, mata, rouba. O proletariado, igualmente coisificado, sofre, se revolta, toma consciência de classe, luta, faz a revolução, se liberta, salva os outros. À maneira das antigas cosmogonias, os dois atores primordiais contrapõem-se como a noite e o dia, o mal e o bem, o nada e o ser. Os atributos positivos correspondem, no caso, ao proletariado e os negativos à odiada burguesia”. Ricardo Veléz Rodrigues, in: Jornal da Tarde (14.X.1995)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A autoridade do arquétipo em face do igualitarismo nivelador

Fernando Rodrigues Batista

«A autoridade do Arquétipo surge, em síntese, como uma imperiosa e essencial necessidade do homem, que deste modo vem a quebrar o que pudera dar-se de nivelação, de igualitarismo ou de sujeição à uniformidade gregária. A autoridade do Arquétipo, sua presença refulgente, aglutinante e diretriz, é um reclamo natural do espírito, é um silencioso pedido que emana da vocação hierárquica do homem, da peremptoriedade por subordinar-se a uma Ordem e a um Ordenador, em una obediência que é a chave da verdadeira liberdade». Antônio Caponnetto


Em livro recente, Los Aquetipos y la história, o pensador argentino Antônio Caponnetto faz notar que desde os bancos escolares se descura do dever de fazer religar as inteligências à Verdade e à Sabedoria, posto que as instituições de ensino se converteram em mera instituição pragmatista, que cinge seu ofício unicamente em formar profissionais – de matiz notadamente utilitarista -, restrita, portanto, na ação, no êxito e na eficácia.
A este propósito Delgado de Carvalho acentua que “a finalidade da geração atual não é formar cavaleiros medievais, mas sim fabricar homens eficientes em suas profissões”.
O ideal concebido é o do homo faber, industrial, produtivo, consumidor.
Uma escola semelhante, certamente despreza os arquétipos, pois lhes repugnam os modelos.
Estes colégios buscam a chamada integração do aluno a sociedade atual, sobre a base do horror ao singular, substituindo o ideal do arquétipo pelo da inserção na multidão. O reino da quantidade necessariamente afasta os autênticos modelos.
Busca-se formar uma criança que se insira a vida cotidiana, à vida do homem comum, com a escala de valores predominante, que se modificam de acordo com os vai e vens da opinião pública.
Este tipo de formação educativa se baseia no igualitarismo. Em homenagem a ele, o colégio deverá esquecer a apresentação modélica de personalidades excepcionais, os chefes, os santos, os gênios, porque tais personagens são anormais. Os arquétipos se vêem imolados nas aras do igualitarismo informe.
Anzoatégui dizia na época em que Kruschve, no período de sua Perestroika, fustigava duramente a política de Stalin por haver fomentado o culto a personalidade: “A condenação do culto da personalidade é uma das mais baixas abominações modernas. Importa o triunfo do culto da mediocridade, a democratização dos valores humanos, a abolição da faculdade de admirar, de render pleito – homenagem ao ser superior – que é faculdade inerente à personalidade humana. Stalin foi um criminoso. E o temos como tal. Mas não pelo delito de ter se conduzido como um medíocre. Porque é preferível admirar o Diabo a não admirar o Diabo nem a Deus. O primeiro é o diabolismo que tem como remédio o exorcismo; o segundo é o eunuquismo que não tem remédio”.
Eis a expressão terrível de Victor Hugo: “Egalité, traduction politique de mot envie”. Daí, a inspiração remota do princípio político da igualdade absoluta não ser outra que a tentação demoníaca de nossos primeiros pais no paraíso: “sereis como deuses”, pecado que mescla o orgulho com a soberba, anelo prometeico de igualar-se a Deus, rejeição de toda superioridade, de todo arquétipo.
Não em vão afirmava La Rochefoucauld que os espíritos medíocres condenam de ordinário tudo o que está além de seu alcance.
É o triunfo da tibieza, dos homens castrados. O processo igualitarista de nosso tempo é a expressão mais cabal de uma sociedade decadente, que considera impossível a vontade de ser alguém, que dilui irremediavelmente o pathos das distâncias.
A presunta justiça através da igualdade é de fato a injustiça para com os melhores, e, portanto para com todos, privados da liberdade dos melhores.
Já no século passado, Alexis de Tocqueville profetizou um espetáculo deste gênero: “Quero imaginar sobre que novos traços o despotismo pode produzir-se no mundo: vejo uma multidão de homens semelhantes e iguais, que dão voltas sem descanso sobre si mesmo para procurar pequenos e vulgares prazeres que alimentem sua alma”.
No âmbito das escolas se adverte o sentido antimodelico que toma o ensino da História, a matéria que mais se presta para exaltação dos arquétipos:
“Nunca de chegará à compreensão histórica – escreve Huizinga – se não visualizarmos a imagem dos indivíduos que foram os primeiros em conceber os pensamentos, que ganharam ânimo para agir, que se arriscaram e saíram vitoriosos onde outros muitos se entregaram ao desespero”.
Nesse sentido, Hesíodo e Homero, apesar de não terem sido historiadores, em sentido estrito, senão poetas foram autênticos educadores através da história, porque ao expor as façanhas dos heróis, ensinavam implicitamente o dever-ser do cidadão da polis.
“Não é o conhecimento do cotidiano – diz Caponnetto -, do que é variável e passageiro o que aperfeiçoa as almas, senão o deter a atenção nos gestos, nos atos, nos pensamentos, que venceram a fugacidade diária, que conquistaram uma margem na história e por isso voltaram a ser atuais, ou seja, permanentes, de interesse constante”.
Homero é atual esta manhã e o jornal hoje já envelheceu dizia Péguy aludindo essa contemporaneidade do superior, em contraste com a caducidade dos sucessos ordinários. Bem escrevia Chesterton: “A tradição não quer dizer que os vivos estão mortos, senão que os mortos estão vivos”.
Hoje se prefere outro ensino da história, adequada à superficialidade do ambiente. Uma história não comprometida, profissionalista e descritiva, quimicamente pura, sem adjetivos, e, se é possível, sem substantivo, em última instância, uma história amorfa, informe e incapaz de formar.
A história que se ensina hoje é aquela que desterra a memória. Solzhenitsyn denunciou o sinistro plano que em seu tempo elaborou o regime marxista para destruir a memória de sua pátria mártir em aras da gestação do «homem novo». Bem ressalva Antônio Caponnetto que «a história é a memória dos povos, e uma nação submetida à substituição sistemática de sua memória acaba no esquecimento».
A preterição das raízes e dos arquétipos fundacionais, não tende senão a engendrar aqueles «cidadãos do mundo» que propicia a política educativa da UNESCO, sobre a base da abdicação do nacional em vista a consolidação de um mundo homogeneizado.
O ensinamento de uma história sem raízes torna-se indispensável para levar adiante o projeto de uma sociedade fabricada próspera e esterilizada. Fazer de cada país uma peça de xadrez no tabuleiro da Nova Orden Mundial.
Daí a magistral lição de Heraldo Barbuy (infelizmente desconhecido até mesmo entre nós, fruto justamente da hegemonia da concepção marxista do ser e da história) que salienta que “a noção homogênea do espaço científico, abolindo países e paisagens, diversidades e vivências, coincide com a projeção desse espaço no mundo fabricado, onde tudo se torna uniforme, standard, trajos e moradias, leis e regimes, desejando uma idéia científica da unidade do mundo, que é o posto de toda verdadeira unidade. Porque realmente a unidade supõe a variedade, a adesão a princípios sucessivamente mais altos que fundem um ápice espiritual, simbólico e superior”.
E acrescenta ainda o insigne filósofo que anulada, porém a existência do Deus vivo e concreto, toda hierarquia se desfez e toda unidade desapareceu; o sucedâneo da unidade é essa idéia de “um mundo só” que é a negação de toda unidade, de toda variedade e que é o conceito despótico do internacional. O internacional é o espaço científico, homogêneo, indistinto, coletivo; é a liquidação de toda peculiaridade. Já não há mais horizonte ao redor, um horizonte próximo. O sentimento da proximidade desapareceu com a uniformidade do espaço e com a supressão do locus; estamos sempre no mesmo treco de espaço, porque todos os trechos são indistintos; não havendo mais proximidade, também não há mais distância; a supressão das distâncias pela técnica se dá no espaço projetado pela ciência; não já mais distância, nem proximidade, porque o próprio espaço se tornou irreal, o fruto de uma abstração, o resultado de uma negação da realidade e da unidade do mundo.
Mas o tema dos modelos, dos arquétipos, não se refere apenas as nações e, por conseguinte, ao estudo da história universal e pátria, senão que tem haver também com o homem individual. São dois aspectos que se vinculam entre si. Porque o imanentismo da visão histórica tem por termo que a significação dos fatos se inicie e se esgote no homem, um homem feito a imagen e semelhança de si mesmo. É o drama do antropocentrismo (antropoteismo no dizer de Miguel Ayuso) contemporâneo, de um homem sem referências nem religações que o transcendam.
O fato é que assim como não existe ensino verdadeiro da história sem se ater aos paradigmas, tampouco há realização do homem sem contemplação de seus arquétipos.
O significado da palavra arquétipo, remonta a tradição cultural do mundo grego. Typos, primitivamente, significava golpe, ruído feito ao golpear, marca deixada como conseqüência de um golpe. Arjé agrega o sentido de princípio, originalidade. Portanto: golpe ou marca original.
O homem é um ser essencialmente instável e está feito para transcender-se, tem a vocação da transcendência. Não pode reduzir-se a permanecer nos limites de um humanismo enclausurado em si mesmo: ou se transcende elevando-se, o se transcende degradando-se; ou se transcende para cima ou se transcende para baixo.
Segundo Max Scheler, o núcleo substancial do homem se concentra neste impulso, nesta tendência espiritual a transcender-se.
Gustave Thibon assim se expressa: modo: «O homem apenas se realiza superando-se; não chega a ser ele mesmo senão quando ultrapassa seus limites. E, para dizer a verdade, não tem limites, senão que pode, segundo abra ou feche a porta a Deus, dilatar-se até o infinito ou reduzir-se até o nada».
Nesse sentido, nada mais repugnante que a expressão: «cada qual deve aceitar-se como é». Os arquétipos e modelos são propostos a nossa consideração precisamente para que não nos aceitemos como tais, senão que optemos a transcender-nos. «Somos viajantes em busca da pátria –dizia Hello– temos que levantar os olhos para reconhecer o caminho».
Conta Cervantes que os rústicos que escutavam Don Quixote terminavam extasiados por seu discurso. É que aquelas palavras candentes lhes permitiam reencontrar-se com o melhor deles mesmos, elevando seus corações acima da trivialidade cotidiana.
Dizia Heidegger que a existência banal está feita de abdicação e termina no fastio e na angustia, reclamando algo mais que a preencha e a sacie.
Conforme assinala Alfredo Sáenz, é Deus quem pos em nós essa atração pelo sublime, essa necessidade ontológica de superar-nos, de ser distintos e melhores do que somos (e não necessariamente do que os outros), esse anelo de quebrar o círculo estreito das apetências menores.
Com justeza fez notar Heraldo Barbuy que, "se há um significado no terrível drama da alma contemporânea, este só se pode dar na consciência de que é preciso devolver ao homem o sentido da sua vida, que não é outro senão o sentido do religioso, buscando, como os cavaleiros do Graal, através das jornadas indizíveis, o objeto transcendente da existência. Porque se a vida tem um fim, este não pode ser senão um fim que transcende à vida; se a transcendência estivesse na vida mesma, como dizem Heidegger e outros existencialistas, então a vida seria o fim de si mesma, o que é o mesmo que dizer que a vida não tem finalidade, nem sentido, Nada tem sentido se Deus não existe. Mas, se Deus existe, viver é transcender-se, é superar-se; eis porque, todos os tempos que acreditaram em Deus, acreditaram no herói".
Assim, somente tendendo ao superior chegamos ser autenticamente nós mesmos; somente cedendo à atração das alturas saímos de nossa subjetividade e nos fazemos capazes de por nossa vida ao serviço de Deus e dos demais.
Eis a decisão radical na vida de cada homem: ou sucumbir a mediocridade, deixando-se deslumbrar pelo brilho das coisas que lhe são inferiores, ou propor-se uma existência vertical, com sua inevitável cota de renúncia e de sacrifício, uma existência orientada para a contemplação do Arquétipo e a emulação de suas virtudes.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O Coletivismo contra o Social

GUSTAVE THIBON, foi autodidata genail, nasceu em 2 de set de 1903 em Saint-Marcel-d'Ardèche (França), onde foi sempre lavrador. Não foi um homem de diplomas e títulos. Estudou por si só o grego e o latim, os "Diálogos" de Platão e a filosofia de Aristóteles, a "Suma Teológica" de Santo Tomás. Deu-nos páginas luminosas de "Diagnósticos de Fisiologia Social", "O que Deus uniu", "A Escada de Jacob" e outros volumes de aforismos penetrantes, que são como flechas agudas atiradas para todos os lados. Poucos como ele compreenderam profudamente o homem e a mulher, o amor humano e o casamento. Thibon é o testemunho que se oculta para deixar brilhar a verdade em todo o seu esplendor. Ele mesmo disse: "Eu não aspiro a iluminar os homens com a minha lanterna: minha única ambição é ajudá-lo a melhor contemplar o sol".


O coletivismo não reúne os homens senão para melhor os isolar.
Ele os separa uns dos outros, na medida em que os amontoa uns sobre os outros. Assim, os grãos de areia no deserto formam uma imensa massa homogênea, mas os elementos que constituem essa massa não tem entre eles nenhum vínculo interno: é a própria imagem da Cidade Totalitária em que a solidão aumenta em função da promiscuidade.
A maqueta da Cidade Futura, nós a temos já nos grandes conjuntos anônimos que crescem como cogumelos ao redor de nossas cidades e dos quais transpira, para fora como para dentro, a lepra da uniformidade e do tédio; nos rebanhos humanos em que o "condutor" substitui o pastor; nesse desenraizamento geral que solta os indivíduos, como folhas mortas, ao vento da moda e da opinião; nessa fabricação em cadeia de consciências teleguiadas que são cevadas de abstrações e de quimeras ao invés de serem nutridas de realidades.Falam-nos de bom grado da "dimensão planetária" da humanidade de hoje.
Mas quem não vê que onde essa nova dimensão (que, alias, não é nova: todos os santos conheceram essa paixão da humanidade) não tem por fundamento e por caução um apego vivido ao próximo imediato e uma experiência de responsabilidade pessoal, ela não pode ser senão ilusão e engano? É muito bonito ser cidadão do mundo, mas é preciso começar por não ser apátrida.
Saint-Exupery refere-se a este dialogo entre um homem apegado à sua terra e um desenraizado:
"Você está partindo? - Sim. – Para onde? – Para Melbourne. – Como você estará longe! – Longe de onde?" Com efeito, não há distâncias para o desenraizado. Ele não está longe de nada. Mas, em contrapartida, ele não está ligado a nada: a palavra próximo não tem o menor sentido para ele.
Nessa ordem, o uso imoderado das facilidades de comunicação – quer se trate de deslocamento no espaço ou de informação – arrisca comprometer nossa capacidade de comunhão. O próximo se distância à medida que o longínquo se aproxima. E ainda não se aproxima senão em aparência: por palavras e por imagens.
O que pensar, por exemplo, desse cidadão inconsciente e organizado (mecanizado caberia melhor) que se apaixona pela guerra do Vietnã e que ignora os problemas e talvez mesmo a existência de seu vizinho de andar – que ignora até o seu próprio problema, pois não se da conta de que não entende nada das questões acerca das quais é pedido que tome partido. E esse homem, arrancado de seu próximo e de si mesmo, vive em sonho a duas mil léguas.
Diante dessa ameaça – já em parte realizada – do formigueiro futuro, Teilhard afirma com um otimismo intrépido: "não há formigueiro se as formigas aprendem a se amar".
Mas como poderiam elas aprender a se amar se a própria construção do formigueiro implica na eliminação das condições de amor, na erosão do terreno social de que ele precisa germinar?
É aqui que se aplica a fundo a parábola da semente e do solo: o grão divino aborta sobre um solo humano muito empobrecido. Vitor Hugo, num clarão de lucidez profética, coloca estas palavras na boca de não sei que Demos informe, construtor da Cidade coletivista e igualitária: "eu sou tudo, o inimigo misterioso de Tudo".- O número, túmulo da unidade: é aí, com efeito, que desemboca a miragem coletivista. Uma cidade em que une seus habitantes enquanto cifras e não enquanto pessoas. Que faz a soma e não a síntese. E que, em última análise, se edifica sobre as ruínas do homem real.

Um organismo – se isso se pode dizer! – em que a prótese substituiu os membros: no limite, os ídolos absorvendo seus adoradores – UMA SOCIEDADE SEM HOMENS.



Fonte: Revista Hora Presente, São Paulo, set/out de 1968, n° 1, p. 127/128.